Juvenal Galeno - (1836-1931)
Neto de Albano da Costa dos Anjos e do português
Manuel José Theóphilo, Juvenal Galeno da Costa e Silva nasceu em Fortaleza, a
27 de setembro de 1836, em uma residência na Rua Formosa, nº 66 (hoje Barão do
Rio Branco). Filho de José Antônio da Costa e Silva e Maria do Carmo Teófilo e
Silva, abastados agricultores cafeeiros na encosta da Serra de Aratanha em
Pacatuba. Primo pelo lado paterno de Capistrano de Abreu e Clóvis Beviláqua e
pelo lado materno de Rodolfo Teófilo. Ainda pequeno se mudou com a família para
o Sítio Boa Vista, recanto aconchegante que lhe embalou os sonhos de criança. O
tempo foi passando e o menino Juvenal trazia a seiva da imensurável ramificação
cultural.
Seus estudos primários ele os fez numa escola de
Pacatuba.
Aos treze anos de idade, já com noções de latim
ministradas pelo padre Nogueira Braveza, mal ainda havendo despertado para a
adolescência, fundou e fez circular o primeiro jornal puramente literário no
Ceará, o “SEMPRE VIVA”, destinado ao sexo feminino. O jornal teve efêmera
existência, porque vivia ainda sob a tutela dos pais, não tinha condições de
dar continuidade a esse empreendimento.
Ainda na infância, acompanhou o tio, Dr. Marcos
Theóphilo, médico, pai de Rodolfo Theóphilo, à cidade de Aracati, onde
frequentou uma escola pública ministrada por Porfírio Sabóia.
Voltando de Aracati em 1851, matriculou-se no Liceu
do Ceará onde cursou Humanidades até 1855 .
Em 1853, fundou e fez circular o primeiro jornal da
imprensa estudantil no Ceará, o jornal “Mocidade Cearense”, também de efêmera
existência, em virtude, da transferência de seu sócio e colega Joaquim Catunda
para o Rio de Janeiro.
Após o Curso, foi para o Sitio Boa Vista ajudar o
pai na administração das atividades agrícolas, principalmente na cultura
cafeeira, numa época em que o café assumia expressiva importância na economia
cearense.
Com o intuito de aperfeiçoá-lo em assuntos
agrícolas, seu pai mandou-o para o Rio de Janeiro em busca de adquirir maior
conhecimento nas técnicas do plantio do café. Levava consigo uma carta de
recomendação de Rufino José de Almeida apresentando-o a Francisco Paula Brito,
proprietário da Marmota Fluminense. Ali Juvenal Galeno travou relações de
amizade com Machado de Assis, Saldanha Marinho, Joaquim Manoel de Macêdo,
Quintino Bocaiúva e outros.
Seduzido pelo convívio das letras, passou, a partir
de então, a escrever poesias e a publicá-las na Marmota Fluminense ao lado de
Machado de Assis e outros escritores. Demorou no Rio pouco mais de um ano, mas
antes de seu regresso ao Ceará reuniu tais produções, editando-as em 1856, sob
o título de Prelúdios Poéticos.
De volta ao Ceará, Juvenal Galeno trouxe dois
exemplares de “PRELÚDIOS POÉTICOS”, ricamente encadernados com sua fotografia,
que ofereceu a seus pais.
“PRELÚDIOS POÉTICOS” livro de estreia de Juvenal
Galeno, editado em 1856, foi o primeiro livro da literatura cearense,
tornando-se o marco inicial do Romantismo no Ceará, como afirmaram Mario
Linhares, na sua “Historia da Literatura”, Antônio Sales e outros.
A partir de então sua existência passou a
transcorrer entre o Sítio Boa Vista, na Serra de Aratanha, e a cidade de
Fortaleza. Ainda por esse tempo ingressou como alferes nos quadros da Guarda
Nacional, como também no Partido Liberal , em cujo jornal passou a colaborar.
Em 1858 foi eleito Suplente de Deputado Provincial pelo círculo de Icó, onde defendeu
um projeto para criação de uma escola prática de agricultura.
Em 1859, desembarcava em Fortaleza, trazida a bordo
do Tocantins, a célebre Comissão Cientifica de Exploração, dirigida por Freire
Alemão, composta por doze pessoas, entre as quais se destacavam Raja Gabaglia,
Capanema e o poeta Gonçalves Dias, que chefiava a Seção Etnográfica e Narrativa
da Missão. De Fortaleza rumaram para Pacatuba ficando hospedados na casa dos
pais de Juvenal Galeno. Ali na serra e na capital cearense, Juvenal teve como
amigo e conselheiro, Gonçalves Dias, que lhe estimulou os pendores literários,
aliás, já manifestados nas poesias “A Noite de São João”, “A Canção do
Jangadeiro”, “Cantiga do Violeiro” e outras mais do livro “Prelúdios Poéticos”.
Gonçalves Dias, estabelecendo conversação com o
poeta Juvenal Galeno, convidou-o para participar de um banquete com todos os
membros da Comissão Cientifica de Exploração, do Senador Tomás Pompeu e de
Silva Coutinho em Fortaleza. Juvenal Galeno atendeu de pronto ao convite do amigo,
e em função do evento, deixou de comparecer à uma revista do Batalhão da
Reserva do Exército a que pertencia. Isto irritou o Comandante da Guarda
Nacional de Fortaleza, João Antônio Machado, que em seguida determinou o
recolhimento do subalterno à prisão.
A penalidade lançada a Juvenal Galeno trouxe como
resultado a confecção de um livro severíssimo e duro contra o tal Machado e,
esse trabalho ele publicou num volume, o qual deu o título de “A MACHADADA”,
aproveitando o simbolismo do sobrenome de João Antônio Machado. Esse livro foi
a primeira obra literária impressa no Ceará.
Em 1861, Juvenal Galeno aparece em público como
teatrólogo. É levada à cena, pela primeira vez, no Teatro Taliense, 3 de
novembro de 1861, a comédia de sua autoria intitulada “ QUEM COM FERRO FERE COM
FERRO SERÁ FERIDO”. Esse drama sociológico foi a primeira peça teatral
produzida e encenada no Ceará. Nesse mesmo ano presenteou o público com o
poemeto indianista denominado “A PORANGABA” (descrição em versos de uma lenda
que Juvenal Galeno disse ter ouvido de um velho caboclo que escutara dos seus
pais, e estes a seus maiores).
A poesia de Juvenal Galeno reflete toda a psicologia
da alma da gente humilde, digo da alma da população do nordeste em todas as
modalidades do seu sentir, nos seus lances heroicos, infelizes ou gloriosos.
Os sentimentos, os anseios dessa gente toda, da
serra, praias e sertões, ele os gravou indelevelmente em seus versos.
Em 1865, no prólogo de “LENDAS E CANÇÕES POPULARES”
( obra-prima de Juvenal Galeno que foi saudado por Machado de Assis e outros
renomados escritores, o que atesta o valor nacional do vate montanhês), ele
declarou: “ Escrevi este livro acompanhando o povo no trabalho, no lar, na
política, na vida particular e pública, na praia, na montanha e no sertão, onde
ouvi os seus cantos e os reproduzi, ampliei sem desprezar a frase singela, a
palavra de seu dialeto, a sua metrificação e até o seu próprio verso”.
Franklin Távora considerou-o não só como uma obra de
arte em que se revelou o gênio do poeta, mas como documentário precioso devendo
ser detidamente estudado, podendo se constituir um guieiro para a indagação e
pesquisa dos usos, costumes e tradições populares.
O amor e a dedicação de Juvenal às Letras eram tais,
que só aceitava empregos no setor intelectual. Desempenhou as funções de
Inspetor Escolar, numa época em que os transportes eram difíceis, penosos. Só
havia acesso a certos lugares por meio de animais, fazendo-se o percurso de
léguas, debaixo de uma soalheira causticante de uma escola para outra, tal a
distância em que ficavam localizadas. Estradas inteiramente desertas. Contudo
ele trabalhava com prazer e não sentia fadigas, gostava do convívio das
crianças, orientava as professoras e tanto se fez a esse meio que chegou a
compor singelas e tocantes “CANÇÕES DA ESCOLA”, que foram impressas e
distribuídas nas escolas para serem cantadas. Esse livro que se esgotou em
poucos dias, consagrou-o, também, como Poeta da Juventude. Essa obra foi
adotada pelo Conselho de Instrução Pública do Ceará para uso das aulas
primárias.
Nessa sua tarefa de Inspetor da Instrução Pública,
ele se hospedava sempre em casa do velho pescador João Gomes, homem humilde,
casado e com vários filhos, residia em Freixeiras. Numa destas ocasiões,
Juvenal ouviu a narração dos sofrimentos que assaltaram inopinadamente o
pescador e sua mulher, devidos à perseguição cruel de um potentado que, por
vingança, aprisionara para o recrutamento militar o seu genro querido, deixando
ao desamparo e na maior dor a esposa e o filho recém-nascido. Indignado,
Juvenal tomou a si, com o entusiasmo que sentia na defesa das causas justas,
retirar Vicente do recrutamento. Jurou que o conseguiria, afirmou destemido ao
velho pescador que livraria seu genro e retornou logo a Fortaleza para não perder
tempo. Escreveu então a seu cunhado e amigo Dr. José Gonçalves da Justa, que
ocupava importante cargo no Rio de Janeiro, pedindo-lhe a liberdade de Vicente
como o maior favor que lhe poderia prestar. O poeta era queridíssimo de toda
família e seu cunhado conseguiu satisfazer-lhe o pedido.
Inspirado nessa verdadeira e altamente comovedora
cena da vida real, escreveu ele o conto intitulado “AMOR DO CÉU” enfeixado no
seu livro “CENAS POPULARES “ editado em 1891.
Sobre “Cenas Populares” disse José de Alencar: “
livro tão original ainda não se escreveu entre nós”. Ao invés do verso, o autor
preferiu a prosa em que descreve lugares, pessoas, costumes típicos de sumo
interesse para o folclore em alguns contos singelos: “Os pescadores”, “Dia de
feira”, “Folhas secas”, “Noite de núpcias”, etc. Esse livro foi o primeiro
livro de conto publicado no Ceará.
Juvenal Galeno montou uma tipografia expressamente
para impressão de “LIRA CEARENSE”, livro impresso em fascículos e distribuídos
aos domingos em formato de jornal, com o mesmo título, Lira Cearense, com seu
primeiro número circulando a 7 de janeiro de 1872. Fascículos depois reunidos
em um volume, dividido em três partes: Lira Popular, Lira Americana e Lira
Íntima.
Foi nomeado em 19 de maio de 1876 terceiro suplente
do Juiz Municipal de Pacatuba. Naquele ano casou-se com sua vizinha Dona Maria
do Carmo Cabral , filha do Comendador Cabral de Melo. Depois de alguns anos,
Juvenal e sua esposa querendo proporcionar uma melhor educação para os três
filhos: José, Antônio e Maria do Carmo, deixam o sítio e vão morar num sobrado
da Vila de Pacatuba. Até 1886, o seu domicílio seria a Vila de Pacatuba, em
cujas ruas mantinha um estabelecimento de lojista. Em 1887 fixa residência em
Fortaleza, na Rua General Sampaio 1128, ali nascendo João, Henriqueta e
Julinha.
Em 1887 quando da fundação a 4 de março do Instituto
do Ceará, foi considerado Sócio Fundador daquela entidade. Dois anos depois, em
1889 foi nomeado pelo presidente da Província de Fortaleza, Caio Prado, para a
função de Diretor da Biblioteca Pública, então localizada na Rua Sena
Madureira, cargo que ocupou por longos dezenove anos. Nesta função divertia-se
em policiar a leitura dos estudantes tirando-lhes das mãos as obras de Júlio
Verne substituindo-as pela História de um Bocadinho de Pão. Juvenal Galeno
costumava dizer, amava aquela repartição como se fosse um de seus próprios
filhos.
O Conde D”Eu quando por aqui passou antes da
inauguração do regime republicano, comparecendo à recepção que lhe foi
oferecida, em palácio, pelo presidente da Província, foi apresentado ao nosso
poeta. E para espanto da altas figuras ali presentes, o genro do imperador em
voz alta, recitou, naturalmente querendo dar provas de que já conhecia muitas
de suas poesias, algumas estrofes de “O Filho do Vaqueiro”.
Juvenal por algum tempo escreveu no Jornal “A
CONSTITUIÇÃO”, um dos mais lidos no século XIX, em Fortaleza. Suas crônicas
eram verdadeiras caricaturas dos costumes então em uso, e assim, ora em versos
tersos e vibrantes, ora em prosa causticante, ele combatia a torto e direito os
vícios e abusos daquela época.
Acastelhava-se por identificar o autor, e “A
CONSTITUIÇÃO” aumentava a tiragem, esgotando-se, tal era a procura.
O poeta mostrou-se, nesse gênero, de uma verve
admirável, e ora enérgico e destemido, ora trocista e brincalhão, ia fazendo
cócegas e irritando aqueles em cuja cabeça a carapuça tão bem se ajustava.
SILVANUS, com sua verve inesgotável, marcou um acontecimento no mundo social, e
ele soube se haver com tal inteligência e habilidade, que não feriu diretamente
a este ou aquele. E o sucesso foi tamanho que, quando o poeta deu por finda a
sua publicidade, recebeu pedidos insistentes para enfeixar em livros aquelas
produções. A princípio não quis fazê-lo, mas acabou cedendo, e eis, erecto e
altivo o “FOLHETINS DE SILVANUS”, editado e descoberto em 1891 para gáudio de
seus numerosos leitores.
“Folhetins de Silvanus” é uma fina sátira dos
costumes, hábitos, fielmente observados e descritos com um humorismo
encantador.
A maior parte do livro foi escrita em verso, em que
estigmatizava o luxo, o pedantismo provinciano, a falsa ciência dos diletantes,
em plena Fortaleza do século XIX.
Aos setenta e três anos de idade, atacado de
glaucoma, acaba por se aposentar do serviço público, já irremediavelmente cego,
isso em 1908, passando a viver da aposentadoria, dos rendimentos próprios
auferidos não só da produção de seu sítio como dos aluguéis de suas vinte
casas.
Em 1897, Juvenal Galeno dita à sua filha Henriqueta
os seus versos de “Medicina Caseira”, livro somente impresso em 1969, no
cinquentenário de fundação da Casa de Juvenal Galeno.
Continuou a produzir ditando poemas para sua filha,
Henriqueta Galeno, que o assistiu, juntamente com sua esposa, até o fim da
vida. Uma de suas imagens mais conhecidas retratou esse momento: no salão de
sua residência, sentado em uma rede de varandas bordadas, as barbas alvas e
longas, o olhar perdido, e a filha ao lado, sentada em uma cadeira, a tomar
nota dos últimos versos ditados pelo grande bardo.
Desde 1916, a residência do poeta era frequentada
por intelectuais como Alfredo Castro, Cruz Filho, Leonardo Mota, Mário
Linhares, Antônio Furtado, Irineu Filho, Antônio Sales, José Albano, Beni
Carvalho, Papi Júnior, Sales Campos, José Sombra, entre outros.
Atribui-se às irmãs Júlia e Henriqueta Galeno a
ideia de reunir o escol das letras cearenses, nos moldes dos salões literários
franceses. Por iniciativa delas, a Casa se constituiu um palco de recitais,
palestras, conferências, números de canto, audições ao piano, concertos de
violões e danças. Tais eventos se realizavam a propósito de qualquer ocasião:
despedidas, homenagens, aniversário de membros do círculo, lançamento de livros
e recepção a visitantes ou intelectuais que tornavam à capital cearense, depois
de longa ausência. Tudo era motivo para as sessões literárias que se realizavam
na Casa de Juvenal Galeno, em presença do velho poeta, que não tomava parte nas
apresentações, mas, segundo apontavam, fazia questão de ouvi-las.
Juvenal Galeno
faleceu de uremia em 7 de março de 1931, aos noventa e cinco anos de idade,
deixando uma volumosa produção literária e a Casa que se tornara referência e
Nenhum comentário:
Postar um comentário